Quem aí nunca ouviu falar do câncer de mama? Que ele é o mais frequente nas mulheres, que a incidência em brasileiras tende a uma idade mais jovem, que é muito importante realizar mamografia para detectar lesões pequenas e que quando mais cedo for o diagnóstico, maiores as chances de cura?
Hoje conhecemos muito mais sobre o câncer de mama, e tratamos a paciente de forma cada vez mais individualizada, dependendo do subtipo diagnosticado.
Sim, nem todos os tumores são iguais: existem os que crescem estimulados por hormônios femininos, chamados de luminais; aqueles com expressão aumentada de uma proteína chamada HER2 (os “HER2-positivos”) e os que não tem nenhuma dessas características, chamados de triplo negativos.
Cada um deles se comporta de uma forma diferente e tem um tratamento específico. Então, aquilo que se ouve: “um câncer não é igual ao outro, não adianta se comparar” é realmente uma verdade.
Mas… existem situações muito parecidas e próximas que “pegam” as mulheres com diagnóstico de câncer de mama indistintamente (reparem que eu não disse mulheres com câncer de mama, pois não seremos definidas por isso, mas esse é assunto para outra escrita).
O impacto do diagnóstico, a espera ansiosa e temerosa dos resultados, o processo de definição do tratamento e o medo do desconhecido nos aproximam, independentemente do grau de conhecimento sobre a doença.
Aí vem o tratamento, uma força aparece de algum lugar de dentro de nós, para que a jornada de tratamento seja percorrida com o mínimo de falhas e maior chance de sucesso, muitas vezes pensando mais em nossos próximos que em nós mesmas.
Enfim, chega-se ao fim do tratamento ou a uma estabilidade que permite que voltemos a pensar em não fazer da doença o nosso foco principal de vida, de colocá-la onde deve estar, uma situação com a qual convivemos e cuidaremos, mas que não deverá ditar nossos minutos de vida.
Vamos voltar ao trabalho? Vamos voltar a nossa vida social?
Vamos retomar a tão esperada vida normal e participar deu uma reunião, felizes por termos ultrapassado momentos difíceis, às vezes ainda meio cambaleantes na auto[1]estima, mas “cicatrizadinhas” e ávidas por retomar nossa vida social. Mas como nos olham e como são os assuntos?
Incrível como gostam de nos contar casos de pessoas com câncer, desde as que se curaram sem se tratar da forma convencional (um chá, um tratamento “milenar” ou uma força de vontade imensa que não tivemos, pois precisamos de tratamentos cientificamente comprovados) até aquelas que depois de muito tempo tiveram a doença de novo e não estão muito bem, uma indicação de uma mistureba de várias coisas que ficam com um gosto horrível e que devem ser tomadas de manhã em jejum…
Tem alguém para chamá-la para uma conversa leve e gostosa, para fazer um exercício ou uma atividade juntas, uma caminhada, uma divisão de trabalho no dia a dia com filhos ou casa? Aproxime-se! Do restante, afaste-se! Não sem antes indicar como é importante conhecer seu corpo, fazer os exames indicados periodicamente e sempre procurar conhecimento embasado para enfrentar adversidades que possam acontecer na vida. E que se quiserem você pode dar algumas informações para elas em outro momento, pois naquele você está lá para socializar e ter momentos agradáveis.
Vamos retornar ao trabalho, depois de um tempo afastada, lá estão os olhares para verificar se você está “apta mesmo a voltar”.
Desaprendeu? Vai precisar sair toda hora para ir ao médico? Vai querer trabalhar menos que todo mundo? Aqui é um problema delicado, pois entra tanto a questão da postura da empresa, do local de trabalho, como o “micromundo” dos colegas de trabalho. E de novo, muitas mulheres enfrentam dificuldades semelhantes.
Reconquistar seu espaço, deixar claro que você existe além do diagnóstico e tratamento do câncer, e que sim, pode ser que precise de um suporte nesse momento inicial em que seu corpo e seu emocional está se recuperando, que os seus retornos para exames e consultas vão acontecer e não impactarão os seus resultados será um exercício diário, muitas vezes desgastante.
Essa questão de retorno ao trabalho, ainda tão negligenciada em nossa sociedade, faz parte da reabilitação após tratamento. Reabilitação que envolve a mulher com diagnóstico de câncer, mas que também depende da “reabilitação” do ambiente de trabalho. Um exercício de romper com ideias pré-concebidas e preconceituosas sobre o câncer no ambiente de trabalho, que passa por um maior conhecimento dos empregadores e dos colegas de trabalho sobre o tema, trabalhando inclusive questões conflituosas pessoais que impactam a reincorporação plena à vida profissional.
Como trabalhar essas questões em um nível mais abrangente? Não tenho a pretensão de ter as respostas absolutas, mas aposto nas ações contínuas e coordenadas que causam mudanças grandes fazendo pequenas mudanças. Falar cada vez mais do assunto, trazer à tona questões que nos importam além do diagnóstico e tratamento do câncer de mama pode ser um caminho.
Receba esse carinho
Dra. Solange Sanches.
Médica oncologista e paciente de câncer de mama